segunda-feira, 21 de novembro de 2011

RABERUAN EXPERIENCE

(Darkney, Raberuan e Marcelo San no evento Quintas Culturais)

Sinto informar a todos, amigos e artistas, que hoje faleceu nosso amigo, cantor, poeta e muitaas vezes mentor, companheiro de sorrisos e lágrimas: RABERUAN. Ele viveu a trilha louca de suas canções e cumpriu sua parte entre nós. Mesmo assim, decorrido seu tempo de existência, no universo fica um vazio a ser sentido que, se não preenchido pela sua presença fisica, ao menos pela sua obra. Palmas para o artista. O show terminou. Mas a obra persiste, eterna, fluente e moderna. Saudades...

foram as primeiras palavras que escrevi ao saber do falecimento de meu amigo. sepultado no sábado as 15h, notei que a página encerrou-se nesta tarde, quando Sheila Rios publicou a foto acima no Facebook. Eu, que senti os olhos úmidos no ultimo cortejo, molhei os rosto de lágrimas ao perceber que era o fim.

Conheci Raberuan através de Sacha Arcanjo, em seu quintal, e me apaixonei pela figura. Raberuan foi o primeiro artista do quintal do Sacha a elogiar - para Ivan Neris e não pra mim - meu estilo musical. Também foi o primeiro a ouvir minhas canções com atenção verdadeira e comentar sobre elas. Estive ao seu lado em vários momento, como no Show do KaiKan como operador de luz ou mesmo com a Banda Deus Ex Machina, tocando em um evento organizado por ele. Sempre me convidava ao palco e tentava me apresentar para pessoas que ele achava interessante eu conhecer. No mais, acompanhei um pouco de sua doença, vendo-o fazer pouco caso da morte ao beber e fumar sempre que dava na telha. O bicho era foda. Sexo, drogas e muita, muita música sempre com humor, lirismo e cordialidade, era uma figura e tanto. Ainda me apresentou um parceiro musical perfeito, seu sobrinho Eduardo Murena, com quem gravei no CD Ssacha 60 uma faixa e com quem espero poder gravar em breve. Fica a saudade, o vazio, o respeito e uma certa alegria em ter conhecido este cara que, por onde passava, não deixava nada igual, nada ileso. Rock n roll de pau duro em ritmo de mpb.

domingo, 4 de setembro de 2011

OS LABIRINTOS MENTAIS DE LADY MACBETH

          
  Após a estréia de “LADY MACBETH” sábado retrasado – e de ter ouvido alguns comentários –  decidi escrever algo sobre ele. Não com o intuito de explicá-lo (Chico Buarque sabiamente já disse que, quando um artista precisa explicar a arte para o público, um dos dois é burro) mas sim deixar claro - ou obscuros - alguns caminhos que percorremos para sua criação. Na verdade, tomei esta decisão até por sugestão de Escobar Franelas que, do alto do seu conhecimento artístico, não compreendeu – assim como muitos outros artistas presentes – que o volume exagerado da música do Joy Division era proposital. 

GENTE, NÃO TEM NADA NOVO AQUI!
Na verdade, o espetáculo não apresenta nenhum desafio intelectual. Lady Macbeth, após incentivar o marido, Barão Macbeth, assassinar o rei Duncan, vê o marido mergulhar em carnificina para manter o trono da Escócia. Ela enlouquece e atira-se da torre do castelo. O espetáculo representa justamente os momentos de insanidade da rainha, numa retrospectiva non sense de seus atos,  peso na consciência, arrependimento. O que temos em cena é uma louca que delira antes do suicídio. Ainda assim houve gente que saiu dizendo “Gostei, mas não entendi.”... A única coisa a ser entendida é que Lady delira. Para entender estes delírios é necessário conhecer a peça de Shakespeare, com certeza, mas uma pessoa de mente aberta perceberá certamente que o jogo vai neste sentido.

TEXTO NA INTEGRA
Cada cena, cada palavra, cada virgula. Tudo Shakespeare. “LADY MACBETH” é uma colagem de várias cenas do texto original, criando uma linha tênue de sentido ao espetáculo.

NON SENSE E SURREALISMO
O espetáculo trafega entre o surrealismo e o non sense, como nos filmes de David Lynch. Não há um sentido linear até mesmo porque estamos na mente de uma mulher insana que despedaça seus sentidos. Quer entender o quê, cara pálida? (como diria a índia Sueli Kimura).
Graças a esta lógica, nasceram cenas antológicas. Se as idéias iniciais são minhas (o filho despedaçado da Lady, a brincadeira com a luz e a provocação sensorial ao público), Anita também teve suas ótimas idéias e criou um final lírico, poético e rico em simbolismo. Quem tiver olhos pra ver, que veja.

A TRILHA (SONORA) DO SANGUE  
A trilha sonora do espetáculo é um show a parte. Composta por bandas do Reino Unido (Cocteau Twins, Dead Can Dance, Joy Division, New Order) e alguns clássicos da música mundial como Beethoven e Wagner. Cito aqui algumas peculiaridades para que o público possa usufruir melhor da sonoridade do espetáculo:

BEETHOVEN & FOLCLORE BRASILEIRO
Desde “Drácula” (2010) Anita trouxe aquela música aos ensaios “Alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado...” e por aí vai. A canção não foi aceita em Drácula, e  um ano depois ela traz para a Lady. Para abertura do espetáculo, escolhi “Sonata ao Luar”, do Beethoven, para dar uma clima ameno e poético para o inicio do espetáculo, uma falsa promessa de tranqüilidade nos próximos 45 minutos. Primeiro ensaio com som. Solto a música, acendo a luz e Anita entra cantando. Coisa mais linda do mundo. Abrantes juntou Beethoven e o nosso folclore de forma impar! Reconhecendo que está além das minhas capacidades, convido o músico Tarcísio Hayashi para dirigir aquele arranjo vocal. Ele aceita e  une profissionalmente tudo isto, colaborando com uma das mais belas cenas iniciais que já vi em um espetáculo. 

SHE’S LOST CONTROL          
As pessoas ficam muito incomodadas ao ouvirem Ian Curtis cantando “She’s lost control” em volume máximo e cobrindo a voz de Anita Abrantes logo na primeira cena. Na real, o texto, neste momento, não é importante, e sim a referência: Ian Curtis, vocalista da banda britânica Joy Division, que enforcou-se em 18 de maio de 1980. Uma década depois, ao ser questionado sobre a letra de suas canções, Bernard Summer (vocalista do New Order, que surgiu do Joy Division) perguntou ao jornalista quem disse a ele que a letra era mais importante que a música. Isto mudou totalmente meus conceitos cênicos estéticos sensoriais. E podem sair falando mal: o som vai continuar alto!


ELEGIA
Em certa cena, a música instrumental do New Order (Elegia) faz-se de tapete para a piração da Lady. A palavra “elegia” tem o significado de poema triste, consagrado ao luto e a tristeza. Durante um ensaio, disse a Tarcísio Hayashi que a música era do New Order. Ele espantou-se: “New Order, véio? Fazendo este climão!?!”  É, Hayashi. O que é a natureza, não?

LADY MACBETH OF THE MTSENSK DISTRICT
É uma ópera de Dmitri Shostakovich que encontrei acidentalmente na net, ao tentar baixar “Macbeth”, de Verdi.  Durante os ensaios, em conversas com Hayashi, descobrimos semelhanças sonoras entre Shostakovich, Villa Lobos e Arrigo Barnabé. A apropriação desta obra foi tão bem sucedida que até esqueci de Verdi.

VODU
A magia de Lady Macbeth bem que podia ser baseada nos celtas ou coisas assim, mas decidi colocar a macumba em cena. Tem gente que fica incomodada com a possessão da Lady e suas magias bardas ao som de tambores haitiano num vodu que muito lembra os pontos de umbanda e candomblé. Assustador!... E divertido!


RELAXE E VIVENCIE
Entrar em contato com uma mente que delira, se encontra e se perde dentro de um universo shakespeareano é uma experiência impar. Alguns sentem medo, outros mergulham com Lady do precipicio - e há ainda quem se solta no mar das palavras de Shakespeare e navega a deriva. Seja qual for o caminho escolhido, relaxe e vivencie. Lady Macbeth lhe mostrará os sinais sobre o significado da existência humana. .

LADY MACBETH
Da obra de WILLIAM SHAKESPEARE
Traduzido e Adaptado por CLAUDEMIR SANTOS
Interpretada por ANITA ABRANTES
Figurinos de MICHELE DIAS
Arranjo e preparação vocal: TARCISIO HAYASHI
Luz, som & direção: CLAUDEMIR SANTOS
Temporada: SABADO – AS 20H30
Até 24 DE OUTUBRO – ENTRADA FRANCA

Local: CASA AMARELA ESPAÇO CULTURAL
Rua Julião Pereira Machado, 07 – São Miguel Pta. – SP

                

sábado, 13 de agosto de 2011

LADY MACBETH: UM TREM DESGOVERNADO A CAMINHO


                LADY MACBETH é o primeiro espetáculo totalmente produzido na CASA AMARELA. Quando adaptei o texto para ANITA ABRANTES no inicio deste ano, passei para MARCOS FERSIL dirigir. Na impossibilidade de conduzi-lo neste momento, ele repassou pra mim. No primeiro momento, não gostei muito da idéia, pois queria me dedicar a outros projetos, mas devo confessar que está sendo muito bom. Anita está se dedicando ao máximo e trazendo bons resultados à parceria.
 A peça, que deveria estreiar hoje (13/08) mas foi adiada para 27/08 devido a possibilidades técnicas, está ficando deliciosa. A música, elemento importante em meus voos criativos, colabora e muito com o universo que Anita muito bem assimilou e enriquece. Tive o cuidado de escolher boa parte de músicos da terra de Shakespeare – devo citar que Joy Division é uma citação e tanto logo nas primeiras cenas. A morte trágica de Ian Curtis e seu aviso em “She’s lost control” caíram como uma luva na queda de Lady Macbeth.
Tratando-se de um monólogo – que é de um perigo fatal, pois muitos monólogos podem entediar se mal feitos – Shakespeare nos dá uma deixa e tanto para a criação, ao ter escrito a cena 1 do Ato 5, onde Lady delira em pesadelos diante do médico e da criada. Ali é onde o monólogo acontece, na mente de Lady Macbeth perturbada, louca após mergulhar na ambição e descobrir o preço dela. O texto, totalmente recortado do original, nos leva de sua ambição à sua loucura e nos revela o quanto a personagem é humana e contemporânea no mundo em que vivemos. A tradução é outro detalhe peculiar: a realizei em 2001 a partir do original em inglês, em um trabalho de 45 dias entre dicionários e outras traduções, comparando e escolhendo os sentidos que me pareciam traduzir melhor os significados das palavras do bardo.
Dando outra percepção dentro deste universo, entra Michele Dias dialogando com Anita e criando o figurino da Lady. Recém formada e cheia de percepção e sensitivismo, ela e Anita marcam encontros para definir como será o visual. Não interfiro nisto; confio nestas meninas.
                Há tempos não dirijo um espetáculo no AD (Medéia e Drácula foram parcerias muito bem sucedidas com Marcos Fersil). A experiência está sendo boa e a comunicação tranquila. Os ensaios ocorrem com uma sensibilidade genial. Me sento na técnica, aperto botões, e Anita solta-se no universo de Lady. Por vezes indico direções e corrijo imperfeições. Sendo seu terceiro espetáculo comigo, ela parece me entender melhor e segue a trilha, entregando-se à criação artística. Vai surpreender. Está me surpreendendo ao menos.
Nada mais a dizer. Ainda temos alguns ensaios pela frente – mas acredito que estamos criando mais um marco dentro da história do AD. E que seja sempre assim, amém.

LADY MACBETH
De WILLIAM SHAKESPEARE.
Interpretação: ANITA ABRANTES
Figurino: MICHELE DIAS
Adaptação e Direção: CLAUDEMIR SANTOS
De 27/08 a 24/09
Sábados as 20h30
Local:
CASA AMARELA ESPAÇO CULTURAL
Rua Julião Pereira Machado, 07
São Miguel – São Paulo – SP
       

quinta-feira, 7 de julho de 2011

EXPOSIÇÃO MEMÓRIAS DE MELISSA HAMLET

A partir do dia 16/07, na Casa Amarela Espaço Cultural, estará em exposição meus 35 trabalhos que fazem parte da série 'Memórias de Melissa Hamlet'. As pinturas são baseadas no meu espetáculo, que possui o mesmo nome, e foi apresentado na Oficina Cultural Luiz Gonzaga o ano passado. No momento estou postando algumas fotos. Mais tarde postarei um texto referente a esta experiencia.













sábado, 2 de julho de 2011

SOBRE SIMPLÓRIUS – UM ENSAIO

(Claudemir Darkney Santos por Davi Farias Alves, aluno do 3º ano primário da escola municipal Vicente Amato, 2006)


Nota: revirando meus documentos, encontrei este texto onde eu comento sobre a criação de uma canção. Achei de bom grado colocar aqui no blog para revelar um pouco do funcionamento da minha mente criadora. Com vocês também é assim? A realidade e a fantasia da arte se entrelaçam e se confundem? Gostaria de saber...
Bem vindos a Simplórius!

SIMPLÓRIUS

Quarta observei seus olhos
Capturando linhas no ar
Vi nos traços de seu rosto
Sua alma em cor exalar
Ela registra em belas formas
Imagens saborosas em seu paladar
Será que ela me percebe cego a olhá-la demais?

Hoje a chuva me persegue
Saí da cama pra me molhar
Eu caminhei por ruas tão amigas
Por onde mais eu poderia andar?
Amanhã São Paulo será um reino
Onde a princesa irá passear
Serei um pobre nobre vassalo a olhá-la demais?

Tenho sonhos de um rei (mas)
Sou um simplório espertalhão
Quero derrotar o dragão (e)
Livrar o castelo da maldição!

 Vejo estrelas em nosso céu
As nuvens estão a se mandar
Se Sampa é uma cidade fria
Isto não vamos evitar
Só espero que a terra não trema
Quero ter em quem me segurar
Será que ela percebe seus encantos enquanto eu a olho demais?
(02/05/08 – 22:31h)


Todo o artista que se preze tem uma visão particular sobre o mundo, e esta visão guia sua criação artística – assim acredito. A releitura da vida através de uma linguagem artística desencadeia percepções até então desconhecidas e não imaginadas no meio em que vivemos. Assim, a obra nasce. Comigo, o processo não é diferente. Segundo um amigo (salve, Josué da Sabesp, meu véio!), meu olhar sempre busca personagens no cotidiano, colocando pessoas normais em visões extraordinárias. Acho que é meio assim. Acho que foi assim que nasceram a bela princesa medieval e o abobado Simplórius – uma linha mitológica que abre espaço para muita criação artística, musical, visual ou literária. Mas como foi que a encontrei?

2008. Aula de Medievalismo na faculdade. Segundo semestre. De repente, ela estava lá. Bem próxima. Muito bela. Delgada, séria, olhos castanhos nublando a alma tímida e o universo reservado a poucos. Claro que me enxeri e fiz uma ou duas perguntas. Respostas monossibiladas (meu Deus, será que esta palavra existe? Se não existe, acabei de criar!) e só. Antes do final da aula, ela levantou e partiu. Meu olhar a acompanhou passando pelas cadeiras, cruzando o professor e saindo pela porta sem olhar pra trás. Olhei para o lado e Sidney também acompanhava aquela beleza particular, notada por poucos. Sorri para o bom e velho Sidney.
“Linda menina!” – eu disse.
“Sim” – ele respondeu – “Uma princesinha!”
Pronto. Nascia a princesa medieval.

Com o tempo, como é inevitável numa sala com poucos alunos, nos aproximamos acidentalmente para fazer um trabalho, e eu descobri outra qualidade da garota: ela era dona de uma inteligência impar. De qualquer forma, fiquei surpreso ao perceber que aquela menina tímida e reservada era uma mulher com objetivos esboçados e conquistas pessoais bem sucedidas. Aí sim percebi o quanto fui ingênuo ao pensar que a Princesa era apenas um rosto bonito. E nasceu Simplórius; um garoto bobinho e ingênuo com sonhos dignos de um rei. A canção veio em seguida, e desta vez, com letra e música que muito me agradou – e agradou muita gente enjoada minha gravação tosca que realizei em casa sem brilho, desafinada, mas muito sincera.   

São Paulo, 07 de Novembro de 2008. 07h04m
(manhã nublada, mas acho que o sol vai chegar!)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

AOS 36, COMO AOS 16, RETORNO E REENCONTRO BOB DYLAN OUTRA VEZ


Semana péssima.
A garganta, inflamada, não permite que minha voz ressoe por aí. Se fosse Marlon Brando em "O poderoso Chefão" seria lindo. Mas não é. Mas não sou.
Entreguei o TCC com dois dias de atrasos e R$40,00 gastos por desespero e burrice. E ainda acho que não cheguei a uma conclusão final. Inferno de semana.
E eu beirando os 36.
E acordo no dia 16 de junho, enfim.
Primeira coisa que faço: procurar aquele CD do Zé Ramalho cantando Bob Dylan.
As pessoas falaram mal do trabalho, mas tem umas músicas boas, sim; é só saber ouvir.
E eu ouço "tá tudo mundando".
 Dylan puro.
E eu volto aos meus 16 anos, ouvindo o "Highway 61 revisited" pela primeira vez.
O mesmo "revisited" que influenciaria "Rendez vous revisitado" e "G.R.A.ve" (Geladeira Revisitada Amarela e Vermelha". Dylan é tudo. O descobri duas vezes: na música e na poesia. E, de fato, fez minha cabeça - e como fez!
E certa vez, no Sesc Vila Mariana, quando eu ganhei um disco do Dylan pelas mãos do Marcelo Nova e do Luiz Carlini?!? Meu, minha vida poucas vezes foi tão rock n roll! (depois dessa, só os encontros com Jorge Mautner, quando ele me deu o "Deuses da Chuva e da Morte" e quando o Nasi tentou roubar meu isqueiro tipo zippo só que imitação barata que aliás até hoje nunca falhou diferente de uns zippos que falham mesmo.)

Por que volto a Dylan?
Não sei.
A verdade é que ainda me sinto com 16.
Não acho que fiquei muito mais inteligente do que já era nesta época. Talvez, sim, eu acho, mais esperto, mais observador, sabendo uma coisinha ou outra agora, como quando ficar de boca fechada pra não se estrepar e como flertar com uma garota - mesmo que isto não vá dar em nada, como antigamente.
Tirando isto, meu violão ainda é o mesmo: sem muita técnica, mas com muito rock n roll; meus contos também circulam os mesmos temas; aliás, começo a notar que são a continuação do mesmo num universo que se estende e existe, pulsante. Os amigos vinhos melhoram e são mais queridos a cada ano - e os amigos vinagres escorrem pelo ralo com mais rapidez hoje em dia.
Ainda amo animais.
Ainda acredito no amor,
nos filmes,
e que as mulheres são uma espécie de deusas, como todas as qualidades e defeitos que uma deusa deve ter. Ainda me sinto
inconsequente,
irreverente,
 irresponsável,
indaguento,
apaixonado
e violento.
Menos cabelos, todos os dentes, mas alguns já sem nervos para não doer. Ainda tenho sede de saber, descobrir, estar na noite com os amigos, flertar amores, me dedicar a uma paixão única, ouvir rock dos 80 no volume máximo, ler bobagens e, sobretudo, descobrir caras como Poe, Kafka, Machado de Assis, Albert Camus, Lou Reed, David Bowie, Iggy Pop e outras coisas fantásticas que descobri antes dos 20 e que até hoje me dizem muito, me mostrando novos mundos e novas descobertas,
como se eu ainda tivesse 16.
Ainda como se, pela primeira vez,
 eu colocasse Bob Dylan em meus ouvidos.


quarta-feira, 8 de junho de 2011

BERNARDO DOS OLHOS DE SOL - UM CONTO DE BELLOTO




Domingo passado estivemos no Conde Wlad Rock Bar em um sarau organizado pelo Akira Yamasaki em Tributo ao nosso amigo Cézar Augusto, o Cézar Baiano. No blog da  Casa Amarela escrevi um texto onde digo que o conheci em 1996. É verdade. Cézar me encantou tanto enquanto pessoa que tornou-se um dos personagens de Belloto. O interessante é que agora, às 7h39 da manhã de 08 de junho, ao rever o texto, percebo que o escrevi em Setembro de 96, antes mesmo de "Rendez-vous Revisitado" - mas, na cronologia da saga, "Bernardo" vem depois de "Rendez Vous".
Em "Bernardo", Belloto retorna a Espheras - sua cidade natal - e reencontra amigos e amores que deixou antes de partir para São Paulo: Duran, Vicente, Lúbio, e as irmãs Inês e Clara, seu grande amor de Espheras. Ele também encontra o novo padre da cidade, o padre Igor, outrora sacristão.
Inês e Clara cuidam do hospital infantil da cidade, com casos de violência doméstica e deficiências físicas e mentais.Entre estas crianças, está Bernardo, um garoto que quatro anos que o pai o cegou utilizando um produto químico que deixou seus olhos amarelados. De dia, a luz do sol reflete em seus olhos cegos e ofusca a vista de quem o olha. Duran tornou-se o que era antes: um bom vivant; Lúbio é o novo sacristão e Vicente, insano, está internado no hospital, com alguns momentos de lucidez. Esta volta de Belloto a Espheras revela segredos e sugere mistérios. um conto repleto de crimes e com, pelo menos, dois milagres e uma conversão. Redentor.
Me inspirou o conto a convivência com duas amigas de Poá - Selma e Lindi, aquele abraço! - as discussões sobre cultura e arte com Cézar e as aventuras donjuanescas que eu e Roberto C. Santhos tinhámos tentando conquistar as bealdades de Poá. Histórias loucas aconteceram, mas elas não estão em "Bernardo". Talvez eu as relate em breve, em outro lugar.

Ao folhea-lo esta manhã, senti necessidade de ler coisas que li aos 15, 16 anos. De lá pra cá, eu li muita coisa boa, excelente e inesquecível. Mas, de alguma forma, eu bem sei que o que movimenta minha arte chegou na minha vida antes dos meus 20 anos. O que chegou depois me amadureceu, mas não me moldou.
Pensando assim, preciso reler:

Contos de terror, de imaginação e de morte - Edgar Allan Poe
Nas Galerias, e outros contos - Franz Kafka
Batman: asilo Arkham - Grant Morrison/Dave MacKean
Memórias do medo - Edla Van Steen

Acredito que estas leituras me influenciaram de alguma forma nesta época na composição desta história. No mais, bom mesmo seria conversar com Cézar Baiano sobre estes livros e comentar sua participação como ator imaginário interpretando Vicente, um louco sábio. E, diga-se de passagem, de louco e sábio o Cézar tem de tudo um pouco. Inclusive no nome.

Abraços, meu amigo!

terça-feira, 24 de maio de 2011

conto FANTASIA DE CARNAVAL (uma lenda urbana de São Miguel)

Outrora, os carnavais no Clube da Nitro Química eram muito badalados, e como qualquer habitante de São Miguel Paulista e arredores, Cleide deseja ir ao famoso baile. Como não possuía dinheiro para comprar uma fantasia, ela pegou alguns tecidos e criou a própria fantasia: um vestido longo, de duas cores: azul e branco. Conforme andava ao ar livre, os panos esvoaçavam e faziam um efeito de ondas marinhas, lembrando muito uma imagem de Yemanjá.
Naquele ano, o baile havia sido no clube esportivo, e Cleide, feliz, havia ido com amigos do trabalho. eles bricaram e se divertiram muito no baile de carnaval mais agitado do bairro e, lá pelas três da manhã, um de seus amigos (Marcos, o dono do carro) disse que precisa ir embora.
Cansados, felizes e não satisfeitos, eles entraram no fusca e partiram, com aquele gosto de quero mais em suas bocas.
Mal começaram subir a pequena estrada de terra do clube que leva à Avenida José Arthur Nova, eles notaram comicamente, que à frente do carro, andando na estrada, havia uma mulher muito alta, com uma fantasia semelhante a de Cleide. Risos.
"Fez sozinha, né, Cleide?" - disse Marcos - "Sabia que você tinha copiado de algum lugar."
"Mas eu não copiei!" - retrucou Cleide.
Antes que o dialogo prosseguisse, outro ocupante do carro, com voz exasperada, chamou a atenção te todos para um fato inacreditável: a mulher pela qual haviam passado há pouco tempo na estrada estava novamente caminhando na frente do carro. Cleide, no gelo de seu medo deixou sair pelos lábios um sussurro chamando por Deus. Neste momento, a estranha mulher virou-se e olhou para o carro. Seu rosto era pálido e seus olhos estavam tão arregalados que dava a impressão de que iam saltar fora da órbita.
Os ocupantes do carro não conseguiram conter seus gritos de terror, e Marcos acelerou seu fusca, ultrapassando a velocidade máxima permitida na pequena estrada no clube.
Ora, nesta estrada havia uma guarita, ante de chegar na Arthur Nova. Ao perceber o carro em velocidade incomum, o guarda noturno interrompeu o caminho com uma cancela, fazendo o carro parar.
"Vocês são loucos, correndo numa velocidade dessa?"
Marcos desceu do carro e narrou-lhe o acontecimento. O guarda, descrente do fato, mas vendo-os alterados, convidou-os para tomar um café e acalmarem-se.
Desceram do carro e, quando o guarda viu a fantasia de carnaval de Cleide, sentiu o sangue gelar e os cabelos eriçarem.
"O que houve?" - perguntou ela, percebendo a mudança do guarda. E o guarda respondeu:
"Há alguns anos, uma mulher alta, que todos diziam ser uma bruxa, matou seus três filhos e enforcou-se naquela árvore ali ao fundo e... quando ela se enforcou... estava usando justamente esta roupa que você está vestindo!

(São Miguel, São Paulo, Maio/Junho de 2002)
(Escrevi este conto por volta de 2002, durante um curso com a prof. Dra. Roseli Santaella Stella sobre a história de São Miguel (um curso de história do bairro dentro da própria capela voltada para professores, onde eu dei um jeito de me encaixar). O causo é "real". Ouvi ele em certa noite nos idos anos 80 antes dos meus dez anos de idade. A história me impressionou tanto que nunca a esqueci. Uma história contada numa casa de 2 cômodos à noite iluminada por luzes fracas e um clima interiorano causa estas fixações na memória.)

outros contos em http://contosdebelloto.blogspot.com


segunda-feira, 9 de maio de 2011

próxima atração: LENDÁRIO! Teatro e Literatura no universo dos mitos e lendas de São Paulo

Há um homem. Abantesma. Artesão.
Viaja de cidade em cidade, sem sair do Estado de São Paulo.
Por onde passa, conta histórias - e escuta histórias.
Dizem que até vive algumas delas.
É conhecido como Lendário.
Certa noite, recebe um cliente atrás de uma encomenda esquecida.
A encomenda existe, mas está inacabada.
Vão prosear durante a noite enquanto Abantesma termina a encomenda.
Homem de segredos, vai revelar algo esta noite: o extraordinário.

         “Lendário” é um projeto antigo, idéia já ida que precisava nascer. Comecei a pensar há dois em como levar ao público lendas e mitos de minha preferência. 
Ao contrário do que muitos pensam, amo a cultura popular e com ela tenho muita intimidade desde que me entendo por gente. Acordava nas manhãs de domingo sentindo cheiro de café e escutando a TV ligada no Viola, Minha Viola – Boldrin e Inezita Barroso no meu imaginário popular desde cedo. Após, minha paixão me levou aos livros – entre eles, o de Theobaldo Miranda Santos (Lendas e Mitos do Brasil) e a Antologia Ilustrada de Folclore Brasileiro, que me fez perceber que o folclore brasileiro está muito além do Câmara Cascudo.
Na década de 90, juntamente com os primeiros quadrinhos da Vertigo e Edgar Allan Poe, conheci o “Incrivel! Fantástico! Extraordinário!”, de Almirante – que me tirou noites de sono e gerou pesadelo, pois eu insistia em ler os casos sobrenaturais nas horas mortas. Enfim, o “Lendário” é minha forma de resgatar estas narrativas dentro de um universo que é especifico em meu escrever. Parte do conto é uma inversão de "Will do moinho", de Robert Louis Stevenson - cujo o personagem nunca sai de sua cidade, ao contrário de Abantesma que vaga por todo o Estado de São Paulo.
Optando por falar sobre lendas e causos de São Paulo, não inclui outros estados, mas lendas e causos se repetem em vários lugares, de tão necessários que são ao imaginário do povo. As obras citadas acima fazem parte de minhas pesquisas, em especial o tomo IV Da Antologia Ilustrada do Folclore, onde conheci a pesquisa de Alceu Maynard Araújo – e que muito enriqueceu meu repertório.

A MÚSICA EM LENDÁRIO
Propus ao músico Tarcisio Hayashi que crie a trilha sonora para o livro-espetáculo. Pensamos até em um livro-espetáculo-CD, mas ainda não sabemos como trabalharemos isto. Só posso afirmar que o espetáculo terá música própria e o livreto já está disponivel.


TRECHO DE "LENDÁRIO"

C  H E G A N Ç A
Boa noite, senhor.
Meio tarde pra atender cliente.
Mas não tem problema, não.
Já que chegou, assente.
Meus canários sempre cantam
Quando chega um desconhecido,
Hoje eles estão quietos,
Em silencio entristecidos.
Abantesma sou eu mesmo,
É o nome que pai me deu.
Meu nascimento é um mistério,
Não sei o que sucedeu.
Teve sorte me encontrar.
Antes do sol aparecer,
Rumo pra outra estalagem.
Meu trabalho exige atividade, preciso vagar de cidade em cidade.  Pra tornar as pessoas felizes e manter minha vivacidade, Com este dinheiro que me pagam, resolvo minhas necessidades. Não me lembro do senhor, nem da sua encomenda.
                  
Tem certeza que encomendou
Na quaresma,
Numa sexta feira?
                                               Desculpe,
Não sou muito velho,
Mas as datas
não tem tanta clareza.
                                               Pareço bem moço, eu sei,
Mas isto é de me cuidar.
                                               Não sou muito de beber,
Há tempos parei de fumar.
                                               Eu não quero que a morte
Amanhã venha me buscar.


M O R T E
É que a morte sempre avisa na vida / O dia que vem nos buscar / Acredite, meu amigo /  A morte não se pode enganar / Nem tão pouco fugir, / Mas Pode acreditar em mim: / Tem coisa que dá pra adiar. Engraçado o meu pensar?
Pode ser,
Mas não se pode desacreditar.