terça-feira, 10 de janeiro de 2012

DER SANDMANN: O HOMEM DA AREIA prévia do meu novo espetáculo

Há praticamente dez anos comprei um exemplar de "O Castelo Mal Assombrado", de E.T. A. Hoffmann. Já havia lido Andersen, Neil Gaiman e Edgar Allan Poe, mas me impressionou ler Hoffmann e o terror psicológico de seu "O homem da areia". O conto é de 1815, um pouco antes das vertiginosas alucinações de Poe. Me apaixonei, por certo. Em 2005, fiz uma leitura dramática no Quintal das Árvores, no extinto Sarau Arte Canal, produzido pelo Alucinógeno Dramático na época.
No final do ano passado, revirando papéis em busca de uma adaptação de Dom Casmurro para teatro, me deparei com o roteiro datilografado de 2005. Li, gelei e pensei: por que não Hoffmann? Assim nasceu o desejo de realizar esta montagem.


Mas adaptar o texto de Hoffmann não me bastava. Queria algo a mais. Resgatei Andersen e Neil Gaiman nesta viagem, além das lendas e mitos ligados a esta entidade dos sonhos. Descobri coisas interessantes, como a bruxa canadense que age igual à nossa Pisadeira, que desce do teto para nos paralisar e tirar nosso ar. Buscando um caminho cientifico, reencontrei a aterrorizante paralisia do sono - quem já teve sabe como é assustador! - juntamente com mais de uma dúzia de disturbios do sono que acabaram por gerar muitos mitos nas imaginações mais férteis. Me apropriei de tudo.
DER SANDMANN: O HOMEM DA AREIA conta a história de Natanael, que tem pesadelos seguidos de paralisia do sono. As crises estão piores porque ele acha que reencontrou Coppelius, o suposto assassino de seu pai, na pessoa de Coppola, um vendedor ótico. Clara, sua noiva, o convence a procurar um psiquiatra e se medicar. Para relaxar, Natanael viaja ao interior, para casa dos avós, mas os mitos e lendas como João Pestana, Maria da Manta, Pisadeira e outros derivados de Morpheus se fazem presentes de várias formas. Natanael termina o noivado e se apaixona por Olímpia, filha de um dos professores da universidade. O amor entre ele e Olímpia floresce, e ele se vê curado de seus medos e pesadelos. Mas o que Natanael não sabe é que a realidade, por vezes, é mais estranha que a própria imaginação. Ele então se encontra mergulhado em vida em seus piores pesadelos.
O monólogo será dinâmico. Interpretarei três personagens que farão o publico vivenciar a experiência de Natanael. Convidei Tarcisio Hayashi (G.R.A.ve) para compor a trilha sonora original e, é claro, utilizarei Jacques Offenbach, Freud, Jung, Metallica, Roy Orbison e outros que foram inspirados, direta ou indiretamente, pela existência de Sandman, e que não podem ficar sem citação.

Ninguém conseguirá dormir com um barulho desses. Todos irão sonhar com este novo espetáculo do Alucinógeno Dramático Teatro & Pesquisa.

TRECHO DO ROTEIRO

CENA 01 –  NA ESTRADA
MUSICA.
LUZ
Natan dorme tranqüilo mas começa a ser agitado por um pesadelo. Súbito. Paralisa. Acorda assustado e senta-se. Respira. Toma comprimidos.
NATAN
O que está vendo é realmente o que você está vendo?
Você já viveu um momento estranho e familiar ao mesmo tempo?
A sensação que percorre as veias, o olhar que alucina, a respiração que ofega...
Os amigos querem entender, mas como explicar o que se sente com palavras?
Palavras são frias, mortas e descoloridas.
Pra entender, é preciso viver...Mas só você pode viver isto!  (Telefone toca. Natan atende)  
Alô? Bom dia, amor. Tudo bem.
Sonhei.  O mesmo sonho.  Eu sei. Eu sei que não existe.
Preciso voltar pra estrada.  Te ligo, amor. Beijo. (desliga)
Você nunca deitou na cama e teve a impressão que havia um estranho ao seu lado, te observando no escuro?
                            (para Emilia) Tá olhando o quê?
Você não sabia que eu tenho um... pequeno distúrbio noturno?  
 Maldito pesadelo! E antes fosse apenas o pesadelo, mas o pior não é isso.  
Imagine, Emilia, você desperta de um pesadelo, mas não consegue se mexer, não consegue  falar, você mal respira. Está paralisada!
Em seu ouvido, uma voz dizendo coisas ruins, e você não pode falar, gritar ou pedir ajuda.
E não importa se isto dura segundos ou minutos. A eternidade do medo vai alongar o seu sofrimento.
Eu tento escapar. De dia, tomo Ritalina e, de noite, Clonazepam. O problema é que
eu sempre me esqueço de tomar um ou outro. Ou seja; só me medico depois de ter
sofrido o mal.
O mal...
Conheci o mal ainda criança. 
Toda noite, depois do jantar, a gente sentava perto do papai para ouvir suas histórias. Depois, mamãe nos mandava pro quarto, dizendo que o Homem da Areia tava chegando. No quarto, deitado na cama, eu ouvia os passos subindo as escadas. Era o homem da areia indo ver papai.
         Um dia perguntei pra mamãe quem era o homem da areia, mas ela riu e disse que ele não existia, que era só um jeito de dizer que a gente tava com sono. Não acreditei.
         De noite, perguntei pra empregada, e ela disse que era um velho que arrancava os olhos das crianças que não dormiam e levava para seus netos comerem no lado escuro da lua. Nela eu acreditei, e por anos vivi o terror de ouvir o homem da areia subindo as escadas para encontrar papai.
         Com dez anos, eu não acreditava mais na história, mas o homem da areia continuava subindo as escadas da minha casa. Uma noite me escondi no gabinete do papai pra descobrir quem era o homem de areia. Quando ele entrou, eu descobri que ele era Coppélius, o advogado.  
                  E ninguém seria mais assustador!
Imaginem um homem grande, ombros largos,
cabeça inchada, rosto amarelado, olhos verdes,
boca que retorcia sorrisos maldosos,  
mãos ossudas, compridas, imundas, peludas e nojentas.
          Papai o tratava como se fosse superior, mas mamãe também não gostava dele.  Ele trazia tristeza pra nossa casa.
NATAN
         Ele Abriu um armário. Dentro, cabeças humanas, sem olhos. “Os olhos! Os olhos!”, ordenou Coppelius ao meu pai.  Apavorado, sai do meu esconderijo e tentei fugir, mas Coppelius me segurou com uma força incomum e quis arrancar meus olhos.
         Desmaiei.

BLACKOUT

NATAN          
          Acordei nos braços de minha mãe.
          Perguntei se o Homem da Areia tinha ido embora.
          Ela disse que sim, que ele nunca mais voltaria.
          Mas ele voltou um ano depois.
          Lembro que mamãe olhou pra papai e ele disse que era a última vez.
          Mamãe nos levou pra cama.
          No meio da madrugada, uma explosão balançou a casa.
          Corremos para o gabinete do papai e ele estava sozinho, morto...
          ... E sem os olhos.
                                                                       LUZ
NATAN
         Os pesadelos não me deixam dormir desde então,
          mas agora estão mais intensos, e eu sei por quê.
Eu achei Coppelius. Ele finge ser um vendedor chamado Coppola.
Eu já sei tudo sobre ele, até mesmo o dia em que vou me vingar.
Mas eu cometi um erro:
          escrevi uma carta contando pro meu cunhado, a minha noiva leu e me enviou esta:
         Amado Natanael, achando que a carta enviada por ti era pra mim, abri. Devo dizer que fiquei muito apavorada; mal dormi à noite. Mas de manhã, após refletir, cheguei a conclusão que tudo é fruto da sua imaginação.  Coppelius, o advogado, era, sem dúvida, asqueroso, mas não acho que ele matou seu pai. Acredito que ambos faziam experimentos químicos ilegais. Quando tudo explodiu, Coppelius fugiu para não ser pego pela policia.  Por isto, meu amado noivo, esqueça o advogado – e esqueça o vendedor, também. O único poder que eles tem é o que você dá pra eles. O homem da areia não vai arrancar meus olhos. Com amor, Clara.
         Ela diz que Coppelius e Coppola não existem, e que vão desaparecer no ar assim que eu deixar de acreditar. Inferno! Claro que eles existem! ...E claro que não são a mesma pessoa! Um é alemão e o outro é italiano, mas um me lembra o outro, independente do buraco de onde tenha saído. Devem ser a mesma pessoa, mesmo que não sejam.
          Para evitar o fim do meu noivado, resolvi passar no psiquiatra e tomar os remédios. Entorpeci a vingança.
         Estou indo pro interior visitar meu avô e esquecer tudo isto.  Estou até levando um presente pra minha sobrinha. Ouviu, Emilia? Vou te deixar com a Selminha e voltar pra Cidade...
         O engraçado é que, quanto mais perto do interior, mais pareço mergulhar nos pesadelos...
MUSICA

BLACKOUT