terça-feira, 24 de maio de 2011

conto FANTASIA DE CARNAVAL (uma lenda urbana de São Miguel)

Outrora, os carnavais no Clube da Nitro Química eram muito badalados, e como qualquer habitante de São Miguel Paulista e arredores, Cleide deseja ir ao famoso baile. Como não possuía dinheiro para comprar uma fantasia, ela pegou alguns tecidos e criou a própria fantasia: um vestido longo, de duas cores: azul e branco. Conforme andava ao ar livre, os panos esvoaçavam e faziam um efeito de ondas marinhas, lembrando muito uma imagem de Yemanjá.
Naquele ano, o baile havia sido no clube esportivo, e Cleide, feliz, havia ido com amigos do trabalho. eles bricaram e se divertiram muito no baile de carnaval mais agitado do bairro e, lá pelas três da manhã, um de seus amigos (Marcos, o dono do carro) disse que precisa ir embora.
Cansados, felizes e não satisfeitos, eles entraram no fusca e partiram, com aquele gosto de quero mais em suas bocas.
Mal começaram subir a pequena estrada de terra do clube que leva à Avenida José Arthur Nova, eles notaram comicamente, que à frente do carro, andando na estrada, havia uma mulher muito alta, com uma fantasia semelhante a de Cleide. Risos.
"Fez sozinha, né, Cleide?" - disse Marcos - "Sabia que você tinha copiado de algum lugar."
"Mas eu não copiei!" - retrucou Cleide.
Antes que o dialogo prosseguisse, outro ocupante do carro, com voz exasperada, chamou a atenção te todos para um fato inacreditável: a mulher pela qual haviam passado há pouco tempo na estrada estava novamente caminhando na frente do carro. Cleide, no gelo de seu medo deixou sair pelos lábios um sussurro chamando por Deus. Neste momento, a estranha mulher virou-se e olhou para o carro. Seu rosto era pálido e seus olhos estavam tão arregalados que dava a impressão de que iam saltar fora da órbita.
Os ocupantes do carro não conseguiram conter seus gritos de terror, e Marcos acelerou seu fusca, ultrapassando a velocidade máxima permitida na pequena estrada no clube.
Ora, nesta estrada havia uma guarita, ante de chegar na Arthur Nova. Ao perceber o carro em velocidade incomum, o guarda noturno interrompeu o caminho com uma cancela, fazendo o carro parar.
"Vocês são loucos, correndo numa velocidade dessa?"
Marcos desceu do carro e narrou-lhe o acontecimento. O guarda, descrente do fato, mas vendo-os alterados, convidou-os para tomar um café e acalmarem-se.
Desceram do carro e, quando o guarda viu a fantasia de carnaval de Cleide, sentiu o sangue gelar e os cabelos eriçarem.
"O que houve?" - perguntou ela, percebendo a mudança do guarda. E o guarda respondeu:
"Há alguns anos, uma mulher alta, que todos diziam ser uma bruxa, matou seus três filhos e enforcou-se naquela árvore ali ao fundo e... quando ela se enforcou... estava usando justamente esta roupa que você está vestindo!

(São Miguel, São Paulo, Maio/Junho de 2002)
(Escrevi este conto por volta de 2002, durante um curso com a prof. Dra. Roseli Santaella Stella sobre a história de São Miguel (um curso de história do bairro dentro da própria capela voltada para professores, onde eu dei um jeito de me encaixar). O causo é "real". Ouvi ele em certa noite nos idos anos 80 antes dos meus dez anos de idade. A história me impressionou tanto que nunca a esqueci. Uma história contada numa casa de 2 cômodos à noite iluminada por luzes fracas e um clima interiorano causa estas fixações na memória.)

outros contos em http://contosdebelloto.blogspot.com


segunda-feira, 9 de maio de 2011

próxima atração: LENDÁRIO! Teatro e Literatura no universo dos mitos e lendas de São Paulo

Há um homem. Abantesma. Artesão.
Viaja de cidade em cidade, sem sair do Estado de São Paulo.
Por onde passa, conta histórias - e escuta histórias.
Dizem que até vive algumas delas.
É conhecido como Lendário.
Certa noite, recebe um cliente atrás de uma encomenda esquecida.
A encomenda existe, mas está inacabada.
Vão prosear durante a noite enquanto Abantesma termina a encomenda.
Homem de segredos, vai revelar algo esta noite: o extraordinário.

         “Lendário” é um projeto antigo, idéia já ida que precisava nascer. Comecei a pensar há dois em como levar ao público lendas e mitos de minha preferência. 
Ao contrário do que muitos pensam, amo a cultura popular e com ela tenho muita intimidade desde que me entendo por gente. Acordava nas manhãs de domingo sentindo cheiro de café e escutando a TV ligada no Viola, Minha Viola – Boldrin e Inezita Barroso no meu imaginário popular desde cedo. Após, minha paixão me levou aos livros – entre eles, o de Theobaldo Miranda Santos (Lendas e Mitos do Brasil) e a Antologia Ilustrada de Folclore Brasileiro, que me fez perceber que o folclore brasileiro está muito além do Câmara Cascudo.
Na década de 90, juntamente com os primeiros quadrinhos da Vertigo e Edgar Allan Poe, conheci o “Incrivel! Fantástico! Extraordinário!”, de Almirante – que me tirou noites de sono e gerou pesadelo, pois eu insistia em ler os casos sobrenaturais nas horas mortas. Enfim, o “Lendário” é minha forma de resgatar estas narrativas dentro de um universo que é especifico em meu escrever. Parte do conto é uma inversão de "Will do moinho", de Robert Louis Stevenson - cujo o personagem nunca sai de sua cidade, ao contrário de Abantesma que vaga por todo o Estado de São Paulo.
Optando por falar sobre lendas e causos de São Paulo, não inclui outros estados, mas lendas e causos se repetem em vários lugares, de tão necessários que são ao imaginário do povo. As obras citadas acima fazem parte de minhas pesquisas, em especial o tomo IV Da Antologia Ilustrada do Folclore, onde conheci a pesquisa de Alceu Maynard Araújo – e que muito enriqueceu meu repertório.

A MÚSICA EM LENDÁRIO
Propus ao músico Tarcisio Hayashi que crie a trilha sonora para o livro-espetáculo. Pensamos até em um livro-espetáculo-CD, mas ainda não sabemos como trabalharemos isto. Só posso afirmar que o espetáculo terá música própria e o livreto já está disponivel.


TRECHO DE "LENDÁRIO"

C  H E G A N Ç A
Boa noite, senhor.
Meio tarde pra atender cliente.
Mas não tem problema, não.
Já que chegou, assente.
Meus canários sempre cantam
Quando chega um desconhecido,
Hoje eles estão quietos,
Em silencio entristecidos.
Abantesma sou eu mesmo,
É o nome que pai me deu.
Meu nascimento é um mistério,
Não sei o que sucedeu.
Teve sorte me encontrar.
Antes do sol aparecer,
Rumo pra outra estalagem.
Meu trabalho exige atividade, preciso vagar de cidade em cidade.  Pra tornar as pessoas felizes e manter minha vivacidade, Com este dinheiro que me pagam, resolvo minhas necessidades. Não me lembro do senhor, nem da sua encomenda.
                  
Tem certeza que encomendou
Na quaresma,
Numa sexta feira?
                                               Desculpe,
Não sou muito velho,
Mas as datas
não tem tanta clareza.
                                               Pareço bem moço, eu sei,
Mas isto é de me cuidar.
                                               Não sou muito de beber,
Há tempos parei de fumar.
                                               Eu não quero que a morte
Amanhã venha me buscar.


M O R T E
É que a morte sempre avisa na vida / O dia que vem nos buscar / Acredite, meu amigo /  A morte não se pode enganar / Nem tão pouco fugir, / Mas Pode acreditar em mim: / Tem coisa que dá pra adiar. Engraçado o meu pensar?
Pode ser,
Mas não se pode desacreditar.